
Quem está no comando: Alma ou Cérebro
Texto extraído do livro “A Culpa é do Cérebro – Capítulo 1”
“Acho que tenho um desequilíbrio químico. O que devo fazer?”
“Meu filho deveria tomar Ritalina?”
“Por que meu pai está agindo desta forma? A doença de Alzheimer o mudou tanto.”
“Desde que sofreu o acidente, meu filho tem sido demitido de 25 empregos. Será que ele vai ter que morar conosco pelo resto de nossa vida?”
“Eu estou com raiva porque Deus me fez um alcoólatra. Outras pessoas não precisam lidar com isso. Por que ele me deu esta doença?”
“É duro parar de frequentar bares de gays e ver pornografia na internet. Como posso parar com isso uma vez que tenho uma orientação homossexual?
Estas são algumas das novas perguntas que fazem com que ajudar outras pessoas pareça algo mais complicado hoje em dia. Gostamos de pensar que a Bíblia é suficiente nas questões críticas da vida, mas estas questões desafiam essa suposição. Afinal, o que teria a Bíblia a dizer acerca de desequilíbrio químico, Ritalina ou alcoolismo como doença? Talvez todo amigo, conselheiro, discipulador e pastor deveria ter seu conhecimento bíblico complementado por cursos em genética, neuroquímica ou doença e dano cerebral.
Porém, há uma abordagem alternativa. Considere isto: o que é ou não preciso mais necessariamente para uma maior sofisticação no entendimento do cérebro. O inverso, o que seria necessário está examinado nas Escrituras em maior profundidade e de modo prático sobre aquilo que é relevante nestas questões. Então podemos utilizar as observações das ciências cerebrais a fim de ilustrar a posição bíblica. Nossa tarefa começa ouvindo a discussão que tem existido por séculos. Ela diz respeito à alma (também chamada de mente), o cérebro e como eles se relacionam.
A ALMA E O CÉREBRO
Por séculos o cérebro tem sido objeto da fascinação humana. “Seria este realmente o centro da alma elusiva? Se for, onde exatamente está a alma?” questionam os físicos e filósofos. Há muito tempo, por volta do século 15 a.C., o físico Alemão Alkmeon de Crotona propôs uma razoável teoria sadia. Ele sugeriu que a informação sensória tal como a visão e som eram mais terrenos e ocupavam distintas áreas cerebrais. Pensamentos, por outro lado, eram espirituais. Eles eram parte da imortal, alma imaterial e não poderiam ser fisicamente localizados.
Platão declarou que o cérebro era supremo entre os órgãos do corpo, porém suas razões foram peculiares. Ele pensava que a parte mais baixa que rodeava o cérebro, agora denominada de medula, seria onde Deus plantou e enclausurou a alma. Aristóteles não estava tão seguro disso. Ele pensava que o coração era o local onde se encontrava a alma humana. O cérebro seria meramente um tipo de radiador ou uma “chaleira” que tanto aquecia como esfriava o sangue.
Estratão de Lâmpsaco encontrou a alma entre as sobrancelhas! Shakespeare, seguindo o filósofo grego, escreveu que a alma estava na pia mater, um dos folhetos meníngeos que recobrem o cérebro. Em Troilo e Créssida (ato 2, cena 1) ele critica Ajax de Thersites: “Sua pia mater não é digna de um décimo de um pássaro”. Mais popular foi a ideia que a alma reside nos fluidos que enchem os ventrículos cerebrais. Os ventrículos, pensavam alguns clérigos, era um lugar no cérebro que parecia ter espaço suficiente para abrigar a alma. Todos têm uma teoria acerca do relacionamento entre o cérebro e a alma, e a maioria deles foi horrivelmente imprópria. Na verdade, foi sugerido que, ao menos nas ciências cerebrais, “a grandeza de um homem é somente medida pela quantia de tempo que sua ideia impede seu progresso.”
Alguns poderiam argumentar que tal definição de grandeza ainda é relevante para o cérebro ou para a neurociência, mas ninguém pode negar o seu dramático desenvolvimento nos últimos dois séculos. Este progresso pode ser atribuído, em parte, aos avanços tecnológicos. Microscópios eletrônicos, PETscans, e novos aparelhos de imagem têm criado uma janela para o cérebro, sem paralelo. Apenas há poucas décadas tínhamos nosso primeiro vislumbre do modo que as células nervosas se comunicavam umas com as outras. Hoje a pesquisa do cérebro é reveladora dos mistérios dos fundamentos genéticos que dá suporte àquelas células e descobre os níveis das substâncias químicas que estão envolvidas na rede de comunicação cerebral. Armados com esta sofisticação tecnológica, os estudiosos do cérebro têm capacidade de saciar sua curiosidade científica com “rédeas soltas”. O resultado tem sido o fundamento da pesquisa pura que, nos próximos 20 anos, muito provavelmente levará a avanços que salvam vidas em doenças tais como Alzheimer e Parkinson. Para estudiosos dos cérebro estes são, na verdade, tempos “inebriantes”.
Como espectadores podem não saber a diferença entre tomografia por emissão de pósitron e de potenciais evocados, a extensão de nosso interesse nas ciências cerebrais poderia ser de sentarmos nas arquibancadas e aplaudir. Não entendemos o que os cientistas do cérebro estão fazendo, mas parece bom, e os comentários ocasionais sobre a possibilidade de aplicação da pesquisa são particularmente encorajadores. Assim, nós dizemos, “mantenham o bom trabalho; e que o Instituto Nacional de Saúde possa conseguir mais e mais dinheiro”. Isto, entretanto, não é dizer o suficiente.
O QUE DIZ A PALAVRA DE DEUS?
Embora as ciências cerebrais sejam sofisticadas e impressionantes, a premissa deste livro é que elas estão debaixo de algo muito mais espetacular. Elas estão debaixo da Bíblia, e seus resultados deveriam ser avaliados através da grade de interpretação das categorias bíblicas. Elas podem parecer audaciosas de início. Afinal, o que poderia a Bíblia oferecer às ciências cerebrais, especialmente considerando-se as evidentes ideias erradas do cérebro e da alma que foram prevalentes nos tempos bíblicos? Não faria mais sentido dizer que a Bíblia é autoritativa no reino espiritual, e as ciências cerebrais são autoritativas quanto ao cérebro? Isso pode soar plausível, no entanto soa mais como uma solução de acomodação onde na realidade se rebaixa o Deus da Escritura e exalta a visão humana. Seria como dizer:
“Existem algumas áreas de investigação onde não perguntarei primeiro – o que Deus diz?” A verdade é que todo o conhecimento começa, conforme indicado em Provérbios, com “o temor do Senhor”. Todo conhecimento começa com primeiro se perguntando – “O que diz o Senhor? Como Deus quer que vejamos isso?” É assim que estudamos sobre sexo, dinheiro e economia, política, e tudo o mais que seja digno de um pensar cuidadoso. Tudo na vida deveria estar debaixo da autoridade da Escritura.

Figura – Três possíveis relacionamentos entre Bíblia e ciência.
O problema em estabelecer uma supervisão bíblica da ciência cerebral é que, à primeira vista, parece haver muito poucos princípios bíblicos disponíveis para nos guiar. Aqui estão três deles:
1. Deus criou todas as coisas. Portanto, Deus criou o cérebro.
2. Deus nos chamou para sermos estudantes da criação. Portanto, criação, inclusive o cérebro, pode ser estudada e parcialmente entendida.
3. Estudantes da palavra de Deus devem ser pessoas de integridade e que falam a verdade. Portanto, cientistas deveriam ser cuidadosos em suas investigações e verdadeiros em reportar seus resultados. Eles não deveriam fabricar ou distorcer resultados a fim de agradar suas agendas.
Estes são bons e verdadeiros princípios, mas eles não nos ajudam a trazer sabedoria da Bíblia para dentro de uma discussão mais técnica. O resultado é que, embora em teoria coloquemos a Bíblia acima das ciências cerebrais, na prática nós não usamos a palavra de Deus para controlar a interpretação dos dados neurocientíficos. A Bíblia acaba parecendo com um chefe de estado que não tem poder verdadeiro – um rei fantoche, na melhor das hipóteses.
Infelizmente, a Bíblia tem perdido sua autoridade funcional nas ciências biológicas há bastante tempo. Nosso ponto de virada foi na epidemia de cólera nos anos 1800. Durante as primeiras duas epidemias em 1832 e 1849, a igreja foi considerada o intérprete autoritativo e orientador da epidemia. Tristemente, a partir desta prestigiosa posição, a igreja saiu com explicações simplistas e incompletas. Ela costumeiramente explicava o surto de cólera como evidência da retribuição divina contra o pecado. Isto foi especialmente conveniente, pois costumeiramente as classes mais baixas que foram afetadas, não o povo da classe média e alta financeiramente estável que eram os membros típicos da igreja.
Apesar de ser verdade que a doença pode ser um resultado da disciplina divina e pode indicar uma necessidade por sondar nossa alma e arrepender-se, é também verdade que a doença pode não estar relacionada ao pecado pessoal. Na verdade, dizer que doença é sempre o resultado de pecado pessoal é, de fato, uma velha heresia que remonta ao tempo de Jó e seus conselheiros. Então, por que a igreja não ensinou nos anos 1800 que pecado e doença não estão necessariamente relacionados? Por que não encorajou observações precisas do mundo criado (embora caído) de maneira a haver pleno entendimento das epidemias? Talvez as lentes teológicas da igreja não fossem refinadas e eram incapazes de interpretar aqueles problemas significativamente.
Este uso inexato da Escritura eventualmente teve seu preço. Pelo ano de 1866 da epidemia de cólera, ninguém buscou na igreja por respostas úteis. Ao contrário, o foco mudou para as iniciativas da saúde pública, e o reino do governo legítimo da Escritura foi desse modo estreitado. Em vez da Escritura reinar sobre esta, a ciência reinava em seu próprio reino, e à Escritura foi dado um pequeno pedaço menor que uma propriedade privada.
Deus ainda estava nos céus, como a maioria dos americanos se apressariam em afirmar. Ainda que de fato sua existência tenha cessado de ser uma realidade central e significante em suas vidas. Os alertas da perspicácia divina em 1832 mostraram-se justificados; preocupações materiais e hábitos empíricos de pensamento não apenas tinham sido bastante enganosos como deslocaram as preocupações espirituais das gerações anteriores. Os americanos pareciam estar bem no caminho para se tornar a terra do “ateísmo prático”.
Hoje nas ciências cerebrais a situação é similar. A Bíblia não foi derrotada, porém se tornou irrelevante. Muitos pesquisadores não encontram mais utilidade para ideia de alma imaterial. Todos os nossos comportamentos são alegadamente explicados pela química cerebral e pela física.
Você tem familiaridade com pesquisa em alcoolismo? A pesquisa em si é fascinante, mas pode chegar à nossa porta envolta numa teoria que diz que não há alma. Beber até a intoxicação agora é chamado de doença que vem do corpo, não da alma. Se você for sugerir que pecado causa embriaguez, você poderá ser saudado do modo que os modernos possam saudar Estratão de Lâmpsaco e sua teoria da sobrancelha. Você poderia ser um curioso, embora uma irrelevante voz vinda do passado.
Considere alguns outros problemas práticos. Digamos que um pastor esteja aconselhando um membro feminina da igreja que está bastante deprimida. Por anos eles têm lutado juntos, confiantes que existem respostas bíblicas para a depressão dela. Então um vizinho da pessoa deprimida lhe conta de sua própria experiência com uma medicação antidepressiva. A mulher deprimida vai ao psiquiatra de seu vizinho, começa a tomar medicamento e sua depressão a deixa. Está fora de questão que esta mulher vai considerar a ciência cerebral como sendo mais visionária e autoritativa em relação a seu problema, do que a Bíblia. Ela tinha tentado ambos, e a medicação se mostrou mais eficaz.
O que poderíamos falar sobre o estudo de caso de abertura no livro Listening to Prozac [Ouvindo o Prozac]? É descrito um homem cujo interesse em pornografia termina logo após começar a tomar uma droga. Você pensa que este homem sempre chamará a pornografia de pecado? Claro que não. Não foi uma mudança espiritual que removeu seu desejo; foi a medicação que manipulou a química cerebral. Portanto, ele questionará, se alma existe de fato, e se pode ser mudada pela prescrição medicamentosa, não pela pregação do Evangelho.
E a lista continua. Você já conhece os debates acerca da base biológica da homossexualidade. Você sabia que ira, desobediência aos pais, ansiedade, abuso de drogas, furto e adultério são também apontados como problemas cerebrais em vez de problemas relacionados com o pecado? A pesquisa do cérebro raramente por si mesma tira essas conclusões. Mas, uma vez que a pesquisa é sussurrada até o noticiário das seis horas, e para popular psique, é muito frequente ser circundada por estas interpretações.
Hoje em dia, como cristãos, queremos evitar ouvir o erro eclesiástico de 1800. Desta vez, queremos ouvir o que as pessoas estão dizendo acerca do cérebro, desenvolver claras e poderosas categorias bíblicas, e abençoar a ciência e a igreja neste processo.
A CULPA É DO CÉREBRO?
Distinguindo desiquilíbrios químicos, distúrbios cerebrais e desobediência
Pesquisas sugerem que mais e mais comportamentos são causados pela função ou disfunção cerebral. Mas é sempre legítimo culpar o cérebro pelo mau comportamento? Como posso saber se o “meu cérebro me faz fazer isso”? Enxergando problemas cerebrais por meio das lentes das Escrituras, Edward T. Welch faz distinção entre os distúrbios cerebrais genuínos e os problemas enraizados no coração. Entender essa distinção permitirá que pastores, conselheiros, famílias e amigos ajudem os outros – ou a si mesmos – a lidar com as suas lutas e responsabilidades pessoais. Enquanto se concentra em alguns distúrbios comuns, Dr. Welch apresenta um conjunto de medidas práticas adaptáveis a uma série de condições, hábitos ou vícios.